Relembrar nem sempre é leve mas pode ser libertador
- Carla FERREIRA
- 10 de jul.
- 4 min de leitura
Essa semana, o Mozão encontrou algumas fotos antigas, e entre elas, estavam alguns registros dos primeiros dias da Lili. Ao ver aquelas imagens, fui

automaticamente transportada para aquele momento e, junto com as lembranças, vieram também os sentimentos que eu achava que já tinha deixado pra trás.
O começo da “vida de mãe” é um verdadeiro mergulho no desconhecido. Inseguranças, um território totalmente novo, uma avalanche de hormônios… Tudo isso enquanto tentamos equilibrar, de forma quase impossível, a doação ao outro, o autoconhecimento e o resgate de quem somos.
A verdade é que eu me preparei durante toda a gestação. Cuidei da minha saúde, estudei sobre o parto, li, me informei… fiz tudo o que achei que me deixaria segura para a chegada da Lili. Mas esqueci de algo essencial, e considero essa uma das maiores falhas que cometi.
Eu não busquei entender o puerpério. Não organizei minimamente a logística da casa. Não pensei nos meus próprios cuidados. E, pior: não preparei meu marido para a avalanche emocional e física que viria. A falta de informação e preparo tornaram aqueles primeiros meses muito mais difíceis do que eu imaginava. O que eu idealizava como um pós-parto acolhedor e em parceria foi, na prática, um cenário completamente diferente.
Eu esperava uma entrega total por parte do meu companheiro e, embora ele estivesse presente, sua participação foi tímida, confusa, às vezes ausente emocionalmente. Na época, me frustrei, e hoje, com mais clareza e empatia, entendo que ele também estava aprendendo. Tentando desconstruir, em tempo real, uma visão equivocada de que “homem ajuda”, quando na verdade, pai não ajuda: pai participa. Pai divide.
Um review brasileiro aponta que o envolvimento emocional e nas tarefas domésticas do pai reduz o impacto da depressão materna, enquanto a ausência dele pode prejudicar o vínculo mãe-bebê e gerar riscos psicológicos para o próprio pai. Diversas pesquisas mostram que a presença contínua do pai (como fraldar, nutrir, participar do sono) está associada a menos depressão materna e um vínculo mais forte com a criança .
E foi justamente a ausência dessa presença ativa, minha falta de comunicação, que me fez viver um dos sentimentos mais difíceis daquele período: a solidão.
Os dias e as noites se confundiam numa rotina exaustiva, sem pausas, sem respiro, sem nenhuma válvula de escape. Faltava troca, faltava acolhimento… e, no meio de tanto silêncio, as lágrimas passaram a ocupar um lugar frequente, quase inevitável. Pra piorar, eu estava longe dos meus pais, meu porto seguro. Sem apoio emocional, sem uma ajuda básica no dia a dia, tudo parecia ainda mais pesado. Foi, sem dúvida, uma das fases mais desafiadoras que já enfrentei.
A terapia foi meu ponto de sustentação. Era o único espaço onde eu conseguia colocar pra fora aquilo que me sufocava em silêncio. E, sim… em muitos momentos, eu cheguei a pensar: “Talvez isso não seja pra mim.”
Tanta coisa aconteceu, tudo junto, tudo misturado. Entre tentar me entender e sair daquele lugar emocional tão pesado, percebi uma falha importante: eu não compartilhei.
Não tive coragem de abrir o jogo com uma amiga e dizer o quanto estava sendo difícil. Me calei. Fui me fechando, me isolando… e, sem perceber, afastei as pessoas ao meu redor, inclusive o meu marido.
Hoje, olhando pra trás, entendo que o silêncio foi uma forma de autoproteção, mas também um obstáculo. Eu precisava de apoio, de escuta, de colo mas não consegui pedir. E isso tornou tudo ainda mais solitário.
Mas se tem algo que cura é o tempo. E quando o tempo se alia à vontade genuína de mudar, tudo começa a se transformar.
Perceber tudo isso doeu. Foi um processo. Mas, ao mesmo tempo, foi profundamente transformador. Se eu pudesse voltar no tempo, faria diferente: teria incluído o puerpério nas minhas leituras com a mesma seriedade que dediquei ao parto, teria organizado minimamente a rotina da casa, teria priorizado o meu autocuidado e, acima de tudo, teria convidado meu marido a viver esse processo comigo desde o início.
A maternidade me ensinou muito. E um dos maiores aprendizados foi entender que pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas de sabedoria.
Hoje, olho para trás com compaixão pela mulher que eu fui. Tenho vontade de me abraçar em tantos momentos… de dizer, com carinho: "Vai ficar tudo bem."
Tenho um respeito enorme por tudo o que vivi, porque mesmo nos dias mais difíceis, existiam aprendizados escondidos. E é com esse olhar mais leve que reconheço: eu saí daquele período mais forte, mais consciente das minhas vulnerabilidades e mais confiante em mim mesma. Sinto uma gratidão imensa pela mulher que estou me tornando. E mais ainda por finalmente conseguir falar sobre tudo isso, sem medo, sem vergonha e sem culpa.
Se você está passando por algo parecido, não tenha medo de falar. Compartilhe seus sentimentos, busque apoio e crie momentos de conexão com seu parceiro.
E, para os maridos: estudem, procurem entender mais sobre o puerpério e como podem realmente participar, não só ajudar, mas estar presentes de corpo, mente e coração nesse momento tão importante.
Com carinho,
Carlota ;)
Comments